Foto: Maurício Barbosa (Arquivo/Diário)
Na última terça-feira (12), completaram-se três anos do desaparecimento de Gabriel Marques Cavalheiro, 18 anos, em São Gabriel. Morador de Guaíba, na Região Metropolitana, o jovem visitava familiares no município, onde pretendia se alistar no Exército, quando foi alvo de uma abordagem da Brigada Militar. Ele foi levado em uma viatura, e desde então nunca mais foi visto com vida.
Após uma semana de buscas, Gabriel foi encontrado morto em um açude, na localidade de Lava Pé, no dia 19 de agosto de 2022. Os três agentes da Brigada Militar que o abordaram na noite do desaparecimento, o sargento Arleu Junior Jacobsen e os soldados Raul Veras Pedroso e Cleber de Lima, acusados pela morte do jovem, foram julgados na Justiça Militar pelos crimes de ocultação de cadáver e de falsidade ideológica.
No caso do homicídio, eles irão a júri popular na Justiça Estadual. Os três policiais estão presos preventivamente desde então. Todos alegam inocência.
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Em julho de 2023, foi realizado o julgamento de quatro policiais envolvidos no caso na Justiça Militar. O Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul (TJM-RS) condenou o soldado Cleber Renato Ramos de Lima a um ano de reclusão por falsidade ideológica, mas o absolveu do crime de ocultação de cadáver. Os outros réus, o soldado Raul Veras Pedroso e o sargento Arleu Jacobsen, foram absolvidos dos dois crimes.
Por outro lado, na Justiça Estadual tramita a denúncia por homicídio. A sentença pelo realização do júri popular foi proferida no dia 10 de julho, pela juíza Liz Gretchen, da Vara Criminal de São Gabriel, e divulgada pelo Tribunal de Justiça (TJRS). Os três PMs respondem por homicídio triplamente qualificado, por motivo fútil, uso de tortura e recurso que dificultou a defesa da vítima. As defesas chegaram a solicitar que os réus recorram em liberdade, mas os pedidos foram negados.
Conforme a decisão da magistrada, há indícios de que um dos policiais tenha agredido Gabriel com golpes de cassetete, enquanto os outros dois, incluindo um superior hierárquico, teriam consentido e dado apoio à ação. Ainda não há uma data marcada para o julgamento.
A situação dos réus
Os três acusados estão no Presídio Militar de Porto Alegre desde 2022. Segundo Maurício Adami Custódio, que atua ao lado do advogado Ivandro Bitencourt Feijó na defesa do sargento Arleu Junior Jacobsen, "o assassino de Gabriel ainda está solto".
– Este processo reflete uma espécie de Odisseia. A luta para provar a inocência tem sido hercúlea. Não temos dúvida alguma de que Arleu é inocente. Ele não matou o Gabriel. Ele definitivamente não tem nenhuma participação no crime que está sendo denunciado. Há três anos afirmamos que Gabriel foi morto por pessoa ou pessoas que estão soltas. A característica do fato, as nuances, os vestígios encontrados depois da finalização dos inquéritos, as circunstâncias todas conduzem a essa crença científica. O assassino dele está à solta e os policiais estão presos injustamente por um crime que não cometeram. E foi possível demonstrar em três anos que houve uma precipitação na indicação das autorias – afirma Custódio.
Além disso, a defesa afirma que já recorreu da decisão do júri popular, por acreditar que a acusação é injusta:
– Na linha desenvolvida pela denúncia, ele (Arleu) prestou uma apoio moral e físico, por estar naquele local e não impedir a agressão. Este ponto de discussão técnico é que, neste momento, está sendo discutido no recurso. A defesa entende, se partirmos hipoteticamente da versão da denúncia, que o delito não pode ser apontado a Arleu. Primeiro, porque na linha descrita, mesmo que se considerássemos a hipótese, sequer ele poderia ter visto algo neste sentido. O que por si só torna a denúncia contra ele injusta.
Já a advogada Shaianne Linhares atua na defesa dos soldados Raul Veras Pedroso e Cleber de Lima. Segundo ela, "a rapidez na forma como o caso foi investigado resultou na ausência de investigação completa sobre os fatos".
– Analisando os autos dos dois processos judiciais (tanto na justiça comum quanto na militar) percebe-se que a rapidez com que o caso foi investigado culminou na ausência de investigação completa sobre os fatos. Pessoas importantes deixaram de ser ouvidas, razão pela qual a instrução dos processos acabou sendo a própria investigação. Com isso, comprovou-se a impossibilidade dos policiais terem ocultado o corpo de Gabriel (pelas provas e circunstâncias e horários seria humanamente impossível terem sido eles que ocultaram o cadáver), bem como restou comprovado que não foi ninguém a pedido deles). Da mesma forma, na justiça comum, as provas igualmente foram produzidas na instrução criminal e serão demonstradas no julgamento dos militares, evidenciando que não foram os policiais militares que mataram Gabriel e sim outra ou outras pessoas – diz Shaianne.
Questionada sobre a decisão da magistrada pelo júri popular, a defesa dos soldados afirma:
– Sobre a decisão judicial, percebeu-se que, considerando o processo extremamente longo e complexo, com inúmeras testemunhas ouvidas e documentos produzidos, o fato de já terem sido nomeados diversos magistrados para o feito e pelo fato de que a magistrada assumiu a vara há pouco tempo, estando pressionada pela publicação da sentença de forma célere, já que se tratam de réus presos, verificou-se que não houve tempo hábil para a análise completa dos autos, aliado ainda ao fato de que se trata de um processo midiático, cuja visibilidade na imprensa resulta em uma pressão negativa ao magistrado.
A advogada Rejane Igisk Lopes, que representa a família de Gabriel desde o seu desaparecimento, pronunciou-se por meio de nota enviada à reportagem, afirmando que os pais e a irmã do jovem anseiam por justiça:
"Há três anos, no dia 19 de agosto de 2022, a vida do jovem Gabriel, então com apenas 18 anos, foi brutal e irreversivelmente interrompida. Sua vida foi ceifada por policiais militares da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, em um episódio marcado pela violência extrema e injustificada. A dor da família, que desde então convive com a ausência e o luto, é potencializada pela necessidade constante de lutar para que os responsáveis sejam efetivamente punidos. O caso de Gabriel não é apenas uma tragédia individual, mas um retrato alarmante dos abusos praticados por agentes estatais que deveriam prezar pelos direitos inalienáveis de qualquer cidadão.
Sua história e sua morte nos impõem o dever coletivo de questionar, denunciar e impedir que crimes como esse se repitam. A violência que o vitimou não pode (e não deve encontrar) complacência no silêncio. A família, representada por sua advogada, reafirma seu compromisso inabalável contra a impunidade, assegurando que a memória de Gabriel não seja silenciada ou reduzida a mais uma lamentável estatística", diz a nota da advogada.
Relembre o caso

Gabriel Marques Cavalheiro estava em São Gabriel, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, para prestar serviço militar obrigatório. Ele foi encontrado morto em um açude, na localidade de Lava Pé, em 19 de agosto de 2022, contudo ele desapareceu no dia 12 de agosto.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Gabriel foi abordado por policiais militares após uma denúncia de perturbação da tranquilidade. Durante a abordagem, um dos agentes teria agredido o jovem com golpes de cassetete na região do pescoço. Gabriel foi levado em uma viatura e, após isso, não foi mais visto com vida. Seu corpo foi localizado dias depois.
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